This content is also available in: English (Inglês)
Dandara, uma das guerreiras mais famosas da história brasileira, raramente aparece nos livros de história de hoje. Enquanto alguns dizem que ela nunca existiu, histórias orais a retratam como uma corajosa revolucionária que lutou para proteger o Quilombo dos Palmares da destruição no final do século XVII. Palmares, o maior assentamento de africanos escravizados fugitivos no Brasil, foi o lar de aproximadamente 11.000 escravos libertos por quase um século antes de os portugueses a conquistarem em 1695.
Em um país onde 50,7% das pessoas se identificam como negras ou mestiças, o racismo sistêmico é generalizado. E começa cedo.
Quando Dandara Oliveira entrou em uma sala de aula na infância, não ouviu nada sobre a brava guerreira de mesmo nome ou a história de seus ancestrais quilombolas rurais, apesar do fato de que cerca de 3.500 comunidades rurais quilombolas existem ainda hoje.
“Aprendi sobre a Revolução Francesa três vezes, mas não sobre a história quilombola, nem mesmo uma única vez”, explica Oliveira, assistente para Programas e Laços de Solidariedade da ActionAid. “Temos um passado. Sobrevivemos ao estado que queria nos apagar.”
Oliveira e aActionAid Brasilestão determinados a mudar isso. Com oProjeto SETA, uma coalizão de organizações unidas pelo objetivo comum da equidade racial, visam transformar o sistema brasileiro de educação pública em um sistema antirracista e que funcione para todos.
Usada na língua portuguesa, a palavra “seta” vem do crioulo, no qual significa “aceitação”. O nome do projeto sugere movimento para a frente, mas também representa ambição de mudança e agilidade.
Os atuais currículos e materiais de treinamento do Brasil são eurocêntricos e reforçam a superioridade. branca. Os livros didáticos geralmente retratam cenas ou estereótipos racistas. E a visão predominante é que qualquer ensino de história negra e indígena na escola não é importante para todas as crianças.
“Quero que meninas como eu se vejam representadas dentro da escola”, diz Oliveira. “Quero ver um sistema educacional brasileiro construído sobre princípios de antirracismo e justiça social. “Mais do que isso, ela deseja que todas as crianças negras, quilombolas e indígenas tenham uma educação igualitária.
O cenário atual
A qualidade da educação no Brasil é segmentada por condição racial e socioeconômica. Entre crianças brancas e crianças negras, quilombolas e indígenas, persistem lacunas, em todos os indicadores da educação básica, que são ainda maiores para jovens de 11 a 17 anos. Os dados mostram maior propensão à desistência, exclusão e níveis educacionais mais baixos. Muitas vezes, essas crianças são relegadas a empregos com salários mais baixos e de pouco prestígio na idade adulta, o que mantém o ciclo de pobreza.
Assim como em grande parte do mundo, a pandemia da COVID-19 expôs e agravou as desigualdades raciais no Brasil. Por mais de um ano durante a pandemia, 5,9 milhões de estudantes em idade escolar não tiveram acesso à sala de aula; dentre eles, 4,3 milhões eram negros ou indígenas.
Apesar disso, a maioria dos brasileiros nega que exista racismo estrutural. Paralelamente, o governo federal acusou os professores de ensinar ideias subversivas às crianças e iniciou profundos cortes orçamentários que estão agravando as desigualdades educacionais e sociais.
Embora as mudanças feitas no sistema de educação pública nas décadas de 1990, 2000 e 2010 tenham gerado ganhos significativos de equidade racial, o atual clima político e social levou a retrocessos, tornando mais urgente o trabalho do Projeto SETA.
O Projeto SETA considera a educação como o ponto de partida para a conscientização e a eliminação do racismo estrutural em todo o país.
“A educação é uma arma poderosa. Em tese, todo mundo frequenta a escola”, diz Oliveira. “É muito importante trabalharmos de forma a conseguir o máximo possível. As escolas estão localizadas em todos os cantos do país.”
Solução inovadora
Com o financiamento potencial através do Desafio deEquidade Racial 2030da Fundação W.K. Kellogg, o Projeto SETA visa promover mudanças em 10 estados e 13 cidades e, para atingir esse objetivo, lançou uma campanha nacional de comunicação e defesa de direitos apoiada na pesquisa e na capacitação. Até 2030, o SETA irá:
- Capacitar 740.000 educadores, diretores e coordenadores de 49.000 escolas públicas de 10 estados e 13 cidades•Engajar 50 milhões de pessoas por meio de cada uma das três campanhas nacionais de educação antirracista
- Envolver 800 líderes comunitários negros, quilombolas e indígenas na promoção da educação antirracista em suas comunidades
- Lançar uma rede nacional de jovens pesquisadores de comunidades negras, quilombolas e indígenas, e
- Estabelecer boas práticas de equidade racial
Momentos decisivos
Os primeiros passos doSETA consistem na formação de parcerias com jovens, membros da comunidade, líderes educacionais e funcionários do governo em âmbito local. Com o Canal Futura, braço educacional da maior emissora e empresa de comunicação do Brasil, a SETA lançou quatro vídeos multigeracionais, atingindo uma audiência inicial de 37 milhões de pessoas. O projeto também recebeu ampla cobertura da mídia e está desenvolvendo um poderoso perfil de redes sociais que já conta com 1,2 milhão de seguidores.
Os parceiros do projeto seenvolveram com comunidades negras, quilombolas e indígenas para conhecer as experiências vividas, prioridades e esperanças no lançamento de uma campanha para a criação de um sistema de educação antirracista. Ao mesmo tempo, o SETA está realizando uma pesquisa nacional para coletar dados que servirão de suporte para ações como networking, compartilhamentos e criação de estratégias colaborativas para líderes juvenis e aliados brancos.
Os professores deixaram claro que o SETA precisaria envolver diretores e gestores escolares, que desempenham um papel crucial ao dar aos professores a autonomia necessária para que promovam discussões e ações relativas à equidade racial. Como resultado, o SETA já firmou parceria com a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul para capacitar e dar apoio a gestores escolares para o desenvolvimento de um sistema educacional antirracista. A parceria com secretários estaduais e municipais de educação é fundamental para capacitar 740.000 professores em 49 redes de ensino até 2030.
Até 2030, o SETA espera:
- Promover um diálogo intergeracional sobre racismo e educação em lares, escolas, locais de trabalho e nos meios de comunicação;
- Incorporar uma abordagem interseccional para monitorar e avaliar o racismo na educação;Aprimorar e implementar políticas públicas de educação que garantam qualidade, equidade e oferta contextualizada;
- Capacitar e apoiar educadores em práticas educativas antirracistas;Estimular jovens e estudantes a desenvolver uma cultura e comunidades escolares antirracistas; e
- Mobilizar uma rede global sobre justiça racial na educação.
Oliveira espera que, daqui a oito anos, todas as crianças se vejam refletidas de forma positiva no currículo escolar e nos livros didáticos; que as gerações futuras conheçam a verdadeira história do Brasil; e que todas as pessoas tenham acesso equitativo às oportunidades.
“Estamos em um divisor de águas para o Brasil e para o mundo”, declara Oliveira. “Temos um longo caminho a percorrer.”
Comments