equidade racial

No Brasil, um movimento para desencadear o primeiro sistema educacional antirracista do mundo

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ActionAid é finalista do Racial Equity 2030, um desafio global para promover a equidade racial na próxima década.

Dandara, uma das guerreiras mais famosas da história brasileira, raramente aparece nos livros de história de hoje. Enquanto alguns dizem que ela nunca existiu, histórias orais a retratam como uma corajosa revolucionária que lutou para proteger o Quilombo dos Palmares da destruição no final do século XVII. Palmares, o maior assentamento de africanos escravizados fugitivos no Brasil, foi o lar de aproximadamente 11.000 escravos libertos por quase um século antes de os portugueses a conquistarem em 1695.

Em um país onde 50,7% das pessoas se identificam como negras ou mestiças, o racismo sistêmico é generalizado. E começa cedo.

Quando Dandara Oliveira entrou em uma sala de aula na infância, não ouviu nada sobre a brava guerreira de mesmo nome ou a história de seus ancestrais quilombolas rurais, apesar do fato de que cerca de 3.500 comunidades rurais quilombolas existem ainda hoje.

“Aprendi sobre a Revolução Francesa três vezes, mas não sobre a história quilombola, nem mesmo uma única vez”, explica Oliveira, assistente para Programas e Laços de Solidariedade da ActionAid. “Temos um passado. Sobrevivemos ao estado que queria nos apagar.”

Oliveira e aActionAid Brasilestão determinados a mudar isso. Com oProjeto SETA, uma coalizão de organizações unidas pelo objetivo comum da equidade racial, visam transformar o sistema brasileiro de educação pública em um sistema antirracista e que funcione para todos.

Usada na língua portuguesa, a palavra “seta” vem do crioulo, no qual significa “aceitação”. O nome do projeto sugere movimento para a frente, mas também representa ambição de mudança e agilidade.

Os atuais currículos e materiais de treinamento do Brasil são eurocêntricos e reforçam a superioridade. branca. Os livros didáticos geralmente retratam cenas ou estereótipos racistas. E a visão predominante é que qualquer ensino de história negra e indígena na escola não é importante para todas as crianças.

“Quero que meninas como eu se vejam representadas dentro da escola”, diz Oliveira. “Quero ver um sistema educacional brasileiro construído sobre princípios de antirracismo e justiça social. “Mais do que isso, ela deseja que todas as crianças negras, quilombolas e indígenas tenham uma educação igualitária.

O cenário atual

A qualidade da educação no Brasil é segmentada por condição racial e socioeconômica. Entre crianças brancas e crianças negras, quilombolas e indígenas, persistem lacunas, em todos os indicadores da educação básica, que são ainda maiores para jovens de 11 a 17 anos. Os dados mostram maior propensão à desistência, exclusão e níveis educacionais mais baixos. Muitas vezes, essas crianças são relegadas a empregos com salários mais baixos e de pouco prestígio na idade adulta, o que mantém o ciclo de pobreza.

Assim como em grande parte do mundo, a pandemia da COVID-19 expôs e agravou as desigualdades raciais no Brasil. Por mais de um ano durante a pandemia, 5,9 milhões de estudantes em idade escolar não tiveram acesso à sala de aula; dentre eles, 4,3 milhões eram negros ou indígenas.

Apesar disso, a maioria dos brasileiros nega que exista racismo estrutural. Paralelamente, o governo federal acusou os professores de ensinar ideias subversivas às crianças e iniciou profundos cortes orçamentários que estão agravando as desigualdades educacionais e sociais.

Embora as mudanças feitas no sistema de educação pública nas décadas de 1990, 2000 e 2010 tenham gerado ganhos significativos de equidade racial, o atual clima político e social levou a retrocessos, tornando mais urgente o trabalho do Projeto SETA.

O Projeto SETA considera a educação como o ponto de partida para a conscientização e a eliminação do racismo estrutural em todo o país.

“A educação é uma arma poderosa. Em tese, todo mundo frequenta a escola”, diz Oliveira. “É muito importante trabalharmos de forma a conseguir o máximo possível. As escolas estão localizadas em todos os cantos do país.”

Solução inovadora

Com o financiamento potencial através do Desafio deEquidade Racial 2030da Fundação W.K. Kellogg, o Projeto SETA visa promover mudanças em 10 estados e 13 cidades e, para atingir esse objetivo, lançou uma campanha nacional de comunicação e defesa de direitos apoiada na pesquisa e na capacitação. Até 2030, o SETA irá:

  • Capacitar 740.000 educadores, diretores e coordenadores de 49.000 escolas públicas de 10 estados e 13 cidades•Engajar 50 milhões de pessoas por meio de cada uma das três campanhas nacionais de educação antirracista
  • Envolver 800 líderes comunitários negros, quilombolas e indígenas na promoção da educação antirracista em suas comunidades
  • Lançar uma rede nacional de jovens pesquisadores de comunidades negras, quilombolas e indígenas, e
  • Estabelecer boas práticas de equidade racial

Momentos decisivos

Os primeiros passos doSETA consistem na formação de parcerias com jovens, membros da comunidade, líderes educacionais e funcionários do governo em âmbito local. Com o Canal Futura, braço educacional da maior emissora e empresa de comunicação do Brasil, a SETA lançou quatro vídeos multigeracionais, atingindo uma audiência inicial de 37 milhões de pessoas. O projeto também recebeu ampla cobertura da mídia e está desenvolvendo um poderoso perfil de redes sociais que já conta com 1,2 milhão de seguidores.

Os parceiros do projeto seenvolveram com comunidades negras, quilombolas e indígenas para conhecer as experiências vividas, prioridades e esperanças no lançamento de uma campanha para a criação de um sistema de educação antirracista. Ao mesmo tempo, o SETA está realizando uma pesquisa nacional para coletar dados que servirão de suporte para ações como networking, compartilhamentos e criação de estratégias colaborativas para líderes juvenis e aliados brancos.

Os professores deixaram claro que o SETA precisaria envolver diretores e gestores escolares, que desempenham um papel crucial ao dar aos professores a autonomia necessária para que promovam discussões e ações relativas à equidade racial. Como resultado, o SETA já firmou parceria com a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul para capacitar e dar apoio a gestores escolares para o desenvolvimento de um sistema educacional antirracista. A parceria com secretários estaduais e municipais de educação é fundamental para capacitar 740.000 professores em 49 redes de ensino até 2030.

Até 2030, o SETA espera:

  • Promover um diálogo intergeracional sobre racismo e educação em lares, escolas, locais de trabalho e nos meios de comunicação;
  • Incorporar uma abordagem interseccional para monitorar e avaliar o racismo na educação;Aprimorar e implementar políticas públicas de educação que garantam qualidade, equidade e oferta contextualizada;
  • Capacitar e apoiar educadores em práticas educativas antirracistas;Estimular jovens e estudantes a desenvolver uma cultura e comunidades escolares antirracistas; e
  • Mobilizar uma rede global sobre justiça racial na educação.

Oliveira espera que, daqui a oito anos, todas as crianças se vejam refletidas de forma positiva no currículo escolar e nos livros didáticos; que as gerações futuras conheçam a verdadeira história do Brasil; e que todas as pessoas tenham acesso equitativo às oportunidades.

“Estamos em um divisor de águas para o Brasil e para o mundo”, declara Oliveira. “Temos um longo caminho a percorrer.”

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