Engajamento da comunidadeequidade racial

Guardiões da Terra: um movimento liderado por indígenas para garantir o direito à terra

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O Indian Law Resource Center (ILRC) e seus parceiros são finalistas do Racial Equity 2030 Challenge, uma chamada global para promover a equidade racial na próxima década. Ao fornecer treinamento em procedimentos de titulação e suporte jurídico especializado, o ILRC está ajudando as comunidades indígenas a garantir direitos à terra essenciais para fortalecer seu poder social, econômico e político.

“Nossa terra é nossa mãe, nossa base, nosso mercado, nosso remédio. Sempre a defenderemos. Inclusive com nossas vidas.”

“Os povos indígenas passaram décadas na linha de frente da luta contra as mudanças climáticas, protegendo a terra que é vital para a sobrevivência de si próprios e do resto do mundo. No entanto, essa capacidade de continuar lutando está ameaçada pelo fracasso dos governos em reconhecer os direitos dos povos indígenas.

Grileiros, garimpeiros, traficantes de drogas e pessoas com interesses comerciais invadem os territórios indígenas diariamente, queimando florestas, poluindo águas, agredindo e matando membros da comunidade. Acabam sendo incentivados por governos que, há muito tempo, consideram as comunidades indígenas como dispensáveis e se recusam a reconhecer o direito legal à terra.

Mas a terra tem seu próprio poder.

“A terra é nossa mãe, nossa base, nosso mercado, nosso remédio. É a única herança deixada por nossos ancestrais”, declara Miguel Guimarães, vice-presidente da Associação Interétnica do Desenvolvimento da Amazônia Peruana e líder indígena Shipibo da comunidade Flor de Ucayali, no Peru. “É por isso que estamos sempre dispostos a defendê-la, inclusive com nossas vidas.”

Os ataques à terra e a todos que a defendem continuam aumentando. Desde o início da pandemia da COVID-19, foram assassinados mais de 20 líderes indígenas no Peru. Essa é uma situação familiar para Guimarães, que recebeu duas ameaças de morte anônimas entre 2018 e 2020. A ameaça mais recente foi feita uma semana após seu pronunciamento em uma audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A obtenção de um documento legal de posse de uma terra que é de propriedade dos povos indígenas por direito está intrinsecamente ligada ao fim dos ataques, da discriminação racial e das desigualdades que os afligem. Mais da metade das terras no mundo pode ser considerada território dos povos indígenas, que, no entanto, detêm a posse legal de apenas 10% delas.

“Somos discriminados desde os tempos coloniais”, declara Armstrong Wiggins, um índio misquito da Nicarágua e diretor do escritório de Washington do Indian Law Resource Center. Wiggins foi preso duas vezes na Nicarágua em razão da luta que trava pelos direitos indígenas. “Nosso direito à terra é a coisa mais importante para sobrevivermos como povo.”

Indian Law Resource Center (ILRC), a Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Floresta Tropical Peruana (AIDESEP) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) se uniram para ajudar os povos indígenas do México e da América Central e do Sul a garantir o título de legitimação de posse de suas terras, uma medida que eliminará um dos elementos mais prejudiciais do racismo estrutural, oferecerá oportunidades iguais aos povos indígenas e protegerá a florestas, que são fundamentais para retardar as mudanças climáticas.

Desde 1978, o ILRC vem trabalhando para reformar as leis injustas que afetam os povos indígenas nas Américas, do extremo norte do Alasca à Ilha de Páscoa, um território do Chile localizado no sul do Oceano Pacífico.

O cenário atual

No México e na América Central e do Sul, os povos indígenas ocupam cerca de 404 milhões de hectares (998 milhões de acres), ou seja, 20% da área total da região. Desse total, cerca de um terço (135 milhões de hectares / 333 milhões de acres) não é formalmente reconhecido como território indígena, o que deixa muitas comunidades indígenas e as terras expostas e vulneráveis à invasão e destruição. As comunidades indígenas têm apenas graus variados de reconhecimento legal para as áreas restantes; muitas vezes, há somente posse consuetudinária ou acordos de uso em vez de títulos legais de posse da terra e direitos de propriedade.

A falta de proteção remonta ao período colonial, quando os novos governos se recusaram a reconhecer os direitos à terra dos povos indígenas. O fato de o poder público negar a garantia de direitos à terra perpetua a pobreza sistêmica, a violência e a extrema desigualdade nas comunidades indígenas do México e da América Central e do Sul.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 45,5% dos indígenas da região vivem em situação de pobreza e 7,1%, em situação de extrema pobreza; mais que o dobro das taxas das pessoas não indígenas. São tratados com grave desigualdade em questões como emprego e mercado de trabalho, educação, atenção à saúde e acesso a serviços essenciais.

Consequentemente, muitos estão deixando seus territórios. Negar os direitos à terra é negar a cultura, a língua, a tradição e a comunidade. “Pessoas sem território desaparecem”, diz Guimarães. “Vivemos em cidades e temos empregos, mas vamos desaparecer.” Garantir os direitos à terra é fundamental para eliminar a discriminação e criar oportunidades para as gerações futuras.
É também crucial na luta contra as alterações climáticas. Oitenta por cento da biodiversidade florestal do mundo existe em territórios indígenas, onde florestas intactas armazenam grandes quantidades de carbono e regulam temperaturas e chuvas regionais.

De acordo com um estudo de 2018 publicado na revista científica Ecological Economics, as terras indígenas com posse titulada no Brasil, Bolívia e Colômbia liberaram 73% menos carbono do que terras não indígenas. Um estudo posterior, publicado em 2020 no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, relata que os territórios indígenas apresentam desmatamento significativamente menor quando estão protegidos por plenos direitos de propriedade.

Solução inovadora

Como parte do Desafio de Equidade Racial 2030 , da Fundação W.K. Kellogg, o ILRC irá atuar junto às comunidades indígenas no México e nas Américas Central e do Sul para que obtenham a segurança jurídica, econômica e política que deveriam ter recebido há mais de 500 anos. O ILRC possui três objetivos:

  • Ajudar pelo menos 45 comunidades indígenas a garantir títulos/direitos legais relativos à propriedade de terras
  • Alterar leis e procedimentos para facilitar a titulação de terras indígenas
  • Criar um instituto de titulação de propriedade liderado por indígenas

A propriedade da terra dará às comunidades maiores benefícios econômicos, maior segurança física, uma voz política mais forte e uma base sólida para o bem-estar. O ILRC irá envidar esforços ao lado de cinco comunidades indígenas para garantir seus direitos à terra e deverá expandir o trabalho para mais de 45 outras comunidades até 2030.

Ao mesmo tempo, a atuação do ILRC será direcionada à alteração de leis e procedimentos de titulação para acelerar o reconhecimento de posse de terras indígenas, a fim de estabelecer equidade e justiça na propriedade da terra, que é a peça-chave para a autodeterminação indígena. Os líderes comunitários indígenas irão determinar as mudanças que consideram mais importantes para seu povo.

A titulação irá oferecer muitas vantagens para as comunidades indígenas, incluindo benefícios que:

  • Atendem às necessidades da comunidade e da família, por exemplo, hospedagem, agricultura, caça, pesca e coleta, bem como a produção de produtos comercializáveis.
  • Geram acesso ao crédito para a comunidade e para as famílias.
  • Tornam lícitos o comércio e a exportação de determinados produtos e materiais.
  • Desestimulam a invasão e apropriação de terras.
  • Esclarecem quais são os direitos aos recursos do subsolo e aos locais culturais e religiosos.
  • Aumentam as oportunidades de empreendedorismo e de desenvolvimento econômico da comunidade.

O ILRC criará um instituto permanente de terras indígenas em parceria com as respectivas comunidades, com base nas respectivas necessidades e preferências. O instituto dará assistência técnica e jurídica e apoio financeiro a comunidades indígenas no México e nas Américas Central e do Sul, expandindo os serviços no futuro para o maior número possível de comunidades, com o intuito de acelerar o ritmo de titulação de terras.

O ILRC tem um histórico de 45 anos de vitórias em casos significativos de direitos à terra e criação de regras de direito sobre terras indígenas. Por exemplo, no início da década de 1980, o ILRC conquistou medidas de proteção extremamente importantes para as terras Yanomami no Brasil e ajudou a acabar com uma invasão que causou muitas mortes de índios Yanomami e ameaçou a existência desse povo.

Trabalhando com os povos maias de Belize, o ILRC foi pioneiro no uso do mapeamento comunitário por povos indígenas com o propósito de reivindicar e defender seus direitos às próprias terras. Na Nicarágua, as atividades jurídicas do ILRC no caso Awas Tingni resultaram na decisão histórica da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2001, de afirmar os direitos coletivos à terra dos povos indígenas. O ILRC está atualmente discutindo um caso perante a Corte Interamericana para obrigar a Guatemala a titular as terras da comunidade maia de Agua Caliente e acabar com políticas injustas que não reconhecem a propriedade coletiva das comunidades indígenas em relação às terras e aos recursos naturais.

A AIDESEP acaba de concluir um projeto de titulação de terras, iniciado há cinco anos, que resultou na entrega de títulos de propriedade de uma área de 230.000 hectares (568.342 acres) da floresta tropical.

“Em apenas cinco anos, a AIDESEP titulou mais terras do que o governo peruano havia feito nos 20 anos anteriores”, enfatiza Guimarães, que complementa: “Quando um particular tenta reconhecer a propriedade, leva apenas um mês. Mas quando uma comunidade indígena deseja reconhecimento, pode levar de 20 a 30 anos.

Defesa da terra

A discriminação continua, apesar da existência da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007, que foi adotada para pressionar os países a reconhecer e respeitar os direitos indígenas e modificar leis injustas. E apesar de uma declaração posterior de 2016, da Organização dos Estados Americanos, ter afirmado a importância de proteger os direitos dos povos indígenas e reconhecer suas contribuições fundamentais para o mundo.

Esse reconhecimento mundial, explica Guimarães, não mudou muito em âmbito local. “De todos os fundos arrecadados para proteger as florestas tropicais na Amazônia, apenas 1% é destinado às comunidades indígenas, que são os guardiões dessa terra.”

O desmatamento continua, assim como as invasões de narcotraficantes e os interesses comerciais. As comunidades indígenas ficam sem apoio para defender os recursos naturais que as sustentam.

“A luta pelos indígenas será sempre pela terra”, diz Guimarães. “Estamos defendendo nossa Amazônia não apenas para nosso povo, mas para o mundo.”

Um apelo mundial para promover a equidade racial até 2030

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